O marinheiro encaixotado
Para apreciar a cultura nossa, o caminho é longo, tendo em vista que até mesmo nossos grandes mestres são sonegados ao cidadão comum.
Nada melhor do que conhecer novas cidades, sua gente, viadutos e monumentos. Em recente viagem a Campinas, estive em lugares muito legais, como o Palácio dos Azulejos e o jazigo de Carlos Gomes, além do museu que preserva a memória do notável compositor. Belas mulheres passavam pelas ruas do centro, dividindo a minha atenção com igrejas, livrarias e outros bares.
No entanto, quando tentei apreciar alguma tela do pintor José Pancetti, fiquei a ver navios. E não foram os navios retratados nos cenários de Pancetti, incomparável gênio das aquarelas e, assim como Carlos Gomes, ilustre filho da cidade paulista. Pancetti teve o dom de capturar como ninguém as paisagens marinhas do nosso litoral, e eu, mesmo sem ser um entendedor, fiquei entusiasmado com a possibilidade de ver ao vivo seu trabalho. Tendo apenas dois dias disponíveis na cidade, não perdi tempo e fui logo até o museu que leva o nome do pintor. Para minha decepção o prédio encontrava-se fechado, pois tratava-se de uma segunda-feira. Paciência, pensei eu. No dia seguinte, voltei lá. Nos salões estava sendo exposta a coleção de um pintor atual, muito interessante, mas que não era o Pancetti. Fui informado, então, que para ver os quadros de Pancetti era necessário marcar uma visita com antecedência.
Argumentei com os funcionários do local que eu não sabia quando teria chance de voltar a Campinas novamente, mas não teve remédio. Para piorar a situação, a pessoa responsável em agendar a tal visita e única com autoridade para liberar o acesso ao acervo do pintor não estava presente, pois seu expediente no museu era justamente na segunda-feira, ocasião em que eu estivera no prédio e ele estava fechado! Por mais patético que pareça, acabei vítima da burocracia, justamente no “país do jeitinho”, onde obras de um grande e importante pintor nativo encontram-se trancafiadas em uma sala escura, longe dos olhos do povo.
Na correria da vida de hoje, é difícil termos tempo e oportunidade para fazer um programa cultural. Se vamos ao cinema, por exemplo, quase sempre assistimos filmes americanos. Produções que, de qualquer maneira, são filmes. Para apreciar o que é nosso, contudo, o caminho é mais longo, tendo em vista que até mesmo nossos grandes mestres são sonegados ao cidadão comum, como se a arte fosse um privilégio, ao invés de um direito.
Foi graças à carreira de marujo, primeiro nos portos da Ligúria italiana, para onde tinha ido na juventude, e depois servindo à Marinha do Brasil, que Pancetti descobriu os afazeres da pintura. A imensidão do mar, o calor do sol e o ritmo das ondas foram a sua inspiração. Um ambiente de liberdade transportado com rara sensibilidade para seus quadros, obras de arte que mereciam e deveriam ser mais expostas.